domingo, 25 de março de 2012

VISCERAL, CONTUDENTE E ATRATIVA OBRA DE ROMULO NÉTTO

Visceral, contundente e atrativa. Assim é a obra e a personalidade do mineiro de Paracatu, radicado há 30 anos em Cuiabá, Rômulo Nétto. O escritor lança nessa semana três livros. Com os títulos As Jagunças, Filisberto das Âncoras e Conto dos Gerais o artista apresenta o estilo diferenciado de escrita, tendo como marca a linguagem própria da mineirice interiorana e ainda assim relevante, intelectual, brilhante. O jornalista escreve de forma certeira, ora sem pontos finais ou vírgulas ou ainda qualquer outro artifício para pausar a leitura. Desse modo narra, sem rodeios, a vida de homens e mulheres desse mundão de meu Deus.
Em Filisberto das Âncoras há a narração de um tantinho da vida de um sertanejo lá da bandas das Gerais. Um sujeito que com a força típica dos homens daquela região, um destino para lutar e uma vida para defender segue seu rumo em busca de algo melhor que possa aparecer algum dia. Neste livro há ainda uma denúncia do sistema político e econômico de herança feudal. A crítica política é vigente com o relato das ordens que partiam dos coronéis que ofereciam misérias como presentes e violência em abundância mantendo assim o voto dos eleitores mais pobres (maioria) no cabresto.
Com uma linguagem bem mineira, a forma de escrita nessa obra pode causar estranhamento nos mais desavisados, além de usar a oralidade do vocabulário regional e invenções de grafia há o abandono ao uso dos sinais de pontuação. O texto segue sem vírgulas, apenas ponto.
Em Contos Dos Gerais marca a edição de diversos contos feitos por Rômulo e que o inserem na lista dos bons escritores da literatura regionalista brasileira. Nesse livro Rômulo deixa transparecer a influência que autores como Guimarães Rosa e Graciliano Ramos tiveram em sua formação de escritor.
O humor também está sempre presente na obra de Rômulo, bem como a ausência dos sinais de pontuação o que acaba fazendo com que o fluxo da narrativa fique mais acelerado e por vezes capaz de deixar o leitor sem fôlego. A apresentação do livro é assinada pela doutora em comunicação pela USP e professora de português e Literatura Brasileira na UFMT, Cristina Campos ela afirma que essa obra é para apreciação dos leitores iniciados. "Vencidas as primeiras páginas, o estranhamento provocará a surpresa da novidade, o deleite de (re) conhecer um tipo que, apesar de exaltado e imortalizado pela Literatura e pela Arte, permanece à margem do sistema, sobrevivendo na sombra".
O jaguncismo típico do sertão tem sua plenitude em As Jagunças, obra que busca relatar a vida de personagens mulheres que fazem-se brutas para enfrentar a hegemonia no mundo masculino. "A vida delas não teve parágrafo, nem travessão, avisando quando deveriam nem se poderiam falar. Pontuar suas falas seria uma extravagância desnecessária", escreve a doutora em educação pela USP e professora de português e Literatura Brasileira na UFMT, Lucia Helena Vendrusculo Possari na apresentação do livro.
O autor-Romulo Nétto, 63 anos, é jornalista formado pela Universidade de Brasília, UnB, também implantou a editora universitária na UFMT, onde hoje é aposentado. Apesar de detentor de talento e sensibilidade únicas ele tem a particularidade de viver em Mato Grosso, o que poderia explicar o "ainda anonimato" de sua obra. "Tenho parentes, amigos e conhecidos por todo o país e todos falam que se eu estivesse no sul ou sudeste do país minha obra seria mais reconhecida. Não sei se é só isso, mas também não me importo", conta o autor de mais de 20 livros, entre publicados e engavetados, entre eles Ameríndia, Lua de Papel.
Para Romulo o processo de escrita é quase psicográfico, embora ele não acredite na influência de espíritos. "Não paro para pensar em que ou quem vou escrever, as coisas fluem naturalmente como sempre estivessem dentro de mim em algum lugar que eu desconhecia. Me surpreendo às vezes com o resultado", confessa.
Com o que ele se importa? "Me importo em transpor minhas lembranças e jogar para o papel os personagens que exigem que suas histórias sejam contadas e que vivem em algum lugar do meu inconsciente. Não tenho expectativas, se isso puder emocionar alguém será incrível", declara.

Leidiane Montfort

(Jornal A Gazeta-Cuiabá-MT)

Romulo Nétto é um passeio pela boa literatura

O encontro não poderia ter sido em melhor data: aniversário de Mato Grosso. Não que Romulo Nétto seja mato-grossense. Nascido em Paracatu, Minas Gerais, Romulo veio para o Estado em 1971 para trabalhar como jornalista na Universidade Federal de Mato Grosso. Desde então nunca mais saiu, só quando se aposentou, aos 47 anos, e passou um período no Nordeste. Escritor, muito mais que jornalista, ele é daqueles sujeitos que não esquecem de onde vieram. É como se Romulo tivesse saído de Minas, mas Minas nunca tivesse saído dele.
Lançando logo de cara uma trilogia no dia 12 de maio, que mistura muito de sua vida em Paracatu e de suas histórias com a família e amigos, o autor traz a literatura quase como um modo de viver. Aos nove anos Romulo já escrevia. Um dos irmãos dizia que ser escritor só poderia dar em duas coisas: ficar louco ou morrer de tuberculose. Se ele ficou louco ainda não se descobriu, mas a tuberculose não o pegou.
O quinto filho de oito o autor conta que a infância passou entre “roubar” frutas e galinhas dos vizinhos. “Tínhamos o mapa dos galinheiros da cidade. O melhor ali daria pra ladrão”, conta. Mas a vida provou o contrário. Um dos irmãos mais velhos trabalha há mais de 20 anos como jornalista na União Européia, Romulo entrou de primeira na sempre tão concorrida Universidade de Brasília (UNB). “Hoje, olhando pra trás, percebo que os ‘ladrões de galinha’ conseguiram vencer na vida. Os mais abastados de Paracatu nem faculdade fizeram”, analisa.
As três obras de agora têm uma ordem que deve ser respeitada. “Filisberto das Âncoras” é o primeiro. Filisberto (de feliz) é um sertanejo em meio a um sistema político e econômico de herança feudal onde os coronéis manipulam seu eleitorado. Romulo mostra através do personagem principal um homem forte, corajoso, honesto e humilde, aquele tipo de sujeito que vive à margem da sociedade e nada recebe. Filisberto é aquele que sobrevive no limite.
“As Jagunças” e “Contos das Gerais” chegaram juntos. Uma característica bem peculiar do autor, que faz até 4 livros ao mesmo tempo, todos escritos à mão e depois passados para o computador. “Teve vez de sentar na varanda e ficar com dois cadernos na minha frente. Minha filha chegou em casa um dia e pensou que eu tinha endoidado. Que nada. Tem hora que penso em uma coisa e essa coisa é pra determinado livro. Paro, escrevo e depois volto para o que eu estava. Sempre foi assim”.
O diferencial de “As Jagunças” é que só há personagens femininos. São 21 mulheres no meio do sertão lutando pela sobrevivência. Ali, como afirma no prefácio do livro a professora Lucia Helena Vendrusculo Possari, mulher não é gênero, é sexo. A obra pode assustar o leitor por não ter pontuação, no máximo uma exclamação ou dois pontos. “A vida dessas mulheres não tem travessão e nem ponto final. Elas lutam e não param”, explica. Em “Contos das Gerais”, Romulo busca mais uma vez no Brasil sertanejo sua inspiração. O autor conta de forma brilhante histórias de gente rústica e ao mesmo tempo doce, gente de brio e que não tem medo de assumir o que é.
O sertão e Minas Gerais não sai de Romulo nenhum instante durante todas as obras, mas esse quase “banzo” que o escritor sente não significa ao mesmo tempo uma aversão a Mato Grosso. “Amo esta terra. Foi aqui que conheci minha esposa, que tive minhas filhas. Mas não se apaga um passado. Minas está em mim até a raiz”. A escolha pelo sertão Romulo explica sem titubear: “sou caipira, não poderia escrever sobre outra coisa”.

Por Isa Sousa
Publicado originalmente no Correio de Mato Grosso