O encontro não poderia ter sido em melhor data: aniversário de Mato Grosso. Não que Romulo Nétto seja mato-grossense. Nascido em Paracatu, Minas Gerais, Romulo veio para o Estado em 1971 para trabalhar como jornalista na Universidade Federal de Mato Grosso. Desde então nunca mais saiu, só quando se aposentou, aos 47 anos, e passou um período no Nordeste. Escritor, muito mais que jornalista, ele é daqueles sujeitos que não esquecem de onde vieram. É como se Romulo tivesse saído de Minas, mas Minas nunca tivesse saído dele.
Lançando logo de cara uma trilogia no dia 12 de maio, que mistura muito de sua vida em Paracatu e de suas histórias com a família e amigos, o autor traz a literatura quase como um modo de viver. Aos nove anos Romulo já escrevia. Um dos irmãos dizia que ser escritor só poderia dar em duas coisas: ficar louco ou morrer de tuberculose. Se ele ficou louco ainda não se descobriu, mas a tuberculose não o pegou.
O quinto filho de oito o autor conta que a infância passou entre “roubar” frutas e galinhas dos vizinhos. “Tínhamos o mapa dos galinheiros da cidade. O melhor ali daria pra ladrão”, conta. Mas a vida provou o contrário. Um dos irmãos mais velhos trabalha há mais de 20 anos como jornalista na União Européia, Romulo entrou de primeira na sempre tão concorrida Universidade de Brasília (UNB). “Hoje, olhando pra trás, percebo que os ‘ladrões de galinha’ conseguiram vencer na vida. Os mais abastados de Paracatu nem faculdade fizeram”, analisa.
As três obras de agora têm uma ordem que deve ser respeitada. “Filisberto das Âncoras” é o primeiro. Filisberto (de feliz) é um sertanejo em meio a um sistema político e econômico de herança feudal onde os coronéis manipulam seu eleitorado. Romulo mostra através do personagem principal um homem forte, corajoso, honesto e humilde, aquele tipo de sujeito que vive à margem da sociedade e nada recebe. Filisberto é aquele que sobrevive no limite.
“As Jagunças” e “Contos das Gerais” chegaram juntos. Uma característica bem peculiar do autor, que faz até 4 livros ao mesmo tempo, todos escritos à mão e depois passados para o computador. “Teve vez de sentar na varanda e ficar com dois cadernos na minha frente. Minha filha chegou em casa um dia e pensou que eu tinha endoidado. Que nada. Tem hora que penso em uma coisa e essa coisa é pra determinado livro. Paro, escrevo e depois volto para o que eu estava. Sempre foi assim”.
O diferencial de “As Jagunças” é que só há personagens femininos. São 21 mulheres no meio do sertão lutando pela sobrevivência. Ali, como afirma no prefácio do livro a professora Lucia Helena Vendrusculo Possari, mulher não é gênero, é sexo. A obra pode assustar o leitor por não ter pontuação, no máximo uma exclamação ou dois pontos. “A vida dessas mulheres não tem travessão e nem ponto final. Elas lutam e não param”, explica. Em “Contos das Gerais”, Romulo busca mais uma vez no Brasil sertanejo sua inspiração. O autor conta de forma brilhante histórias de gente rústica e ao mesmo tempo doce, gente de brio e que não tem medo de assumir o que é.
O sertão e Minas Gerais não sai de Romulo nenhum instante durante todas as obras, mas esse quase “banzo” que o escritor sente não significa ao mesmo tempo uma aversão a Mato Grosso. “Amo esta terra. Foi aqui que conheci minha esposa, que tive minhas filhas. Mas não se apaga um passado. Minas está em mim até a raiz”. A escolha pelo sertão Romulo explica sem titubear: “sou caipira, não poderia escrever sobre outra coisa”.
Por Isa Sousa
Publicado originalmente no Correio de Mato Grosso
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