quinta-feira, 20 de setembro de 2012

CUBA DE CHE 50 anos depois da Revolução

Não se trata apenas de um livro sobre Cuba, mas de fiel retrato da prepotência norte-americana que se iniciou com o embargo econômico, comercial e financeiro, em sete de fevereiro de 1962. A mesma prepotência que fez os norte-americanos sair com os rabos entre as pernas da Coréia, do Vietnam, do Iraque e futuramente do Afeganistão. Os americanos somente não invadiram Cuba porque seriam massacrados pela Rússia e China pondo fim à vida no planeta Terra. Estão massacrando Cuba, mas jamais conseguirão tirar do povo o sentimento de Liberdade. Assassinaram Che Guevara, entretanto não destruíram seus ideais. Fotografias em branco e preto que se sucedem mostrando a beleza de um País que teima resistir às pressões do vizinho gigante. Fotos lindíssimas, exuberantes como exuberante é o povo daquela ilha caribenha. Vemos sofrimento, mas não há sentimento de ódio esparramado na cara do povo cubano. Ele demonstra ser feliz embora saiba que a pouco mais de cem quilômetros existe tudo que gostaria de possuir e não pode comprar. Lá a miséria não é sinônimo de sujeira, as pessoas podem estar maltrapilhas, as roupas esfarrapadas, mas a altivez não as deixa usá-las sujas. Izan Petterle retrata com fidedignidade a Cuba de hoje, a mesma Cuba de cinquenta anos atrás. Homens e mulheres que sobrevivem às mais duras condições sem, entretanto, abaixar a cabeça. Muitos fogem de Cuba, mas a grande maioria mesmo sofrendo o que sofre com o embargo imposto pelos Estados Unidos jamais abandonará o solo amado. Há em cada foto um quê de esperança e resignação. Esperança que dias melhores virão. Resignação com o que foi imposto em nome do combate ao comunismo. Fidel pode ter mandado assassinar muitos compatriotas, mas jamais cometeu tantos crimes como os presidentes americanos cometeram em nome de uma suposta luta pela liberdade e democracia. O norte-americano é esperto em assassinar seus próprios filhos: Luther King, John e Bobby Kennedy, Abraham Lincoln... A América será derrotada. O branco e preto das fotografias não é sombrio, pelo contrário, carrega forte sentimento de paz, alegria e nostalgia. Até a dor contida nas fotografias de Izan Petterle não nos transmite a sensação de um povo derrotado, pelo contrário, esboça na pobreza de seus lares a fortaleza interior, digna de ser imitada. Cuba de Che, de Izan Petterle não é apenas um livro de fotografia, senão o mais belo hino de amor à liberdade que um povo pode cantar. Autores: Izan Petterle (fotos) Texto: Frans Glissenaar Carlini & Caniato Editorial

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

SERAPIÃO FALA MOLE

Serapião Fala Mole nunca escondeu de ninguém sua loucura. Dizia que se alimentava de ventos e sonhos. Escrachava, lem-brando a todos a impossibilidade de lhe roubarem os alimentos. Se chovesse arranjava um gramado fofo, estatelava-se, abria a bocarra deixando a água descer pela garganta com a força de corredeira. Quando a chuva cessava, dando início ao período seco, cofia-va a barba, preguiçoso, media a distância que o separava do Ria-cho de Sangue, pesava os prós e os contras, pra depois, só ao saber a língua esturricando arriscava mover-se à cata de algum filete d’água onde pudesse matar a sede. Soletrava lua e estrelas quando o céu se encharcava de azul, brindando os olhos com clarões de feri-los quase ao ponto de cegar. Desconversava ligeiro quando alguém se achando mais esper-to tentava fazê-lo dizer o que não devia. Muitos por sua esquisitice o julgavam viciado em drogas. Res-pondia que era viciado na vida. Nada mais. Agora mesmo estava de bem com o mundo. Queria se entupir de alegria, andar sem destino, cavalgar os raios do sol. Essas loucuras se apossavam dele, sem mais nem menos, mas Serapião aprendeu a viver com todas as doidices e não dava mui-ta bola pro que pensavam a seu respeito. Era tempo de jabuticaba e ele ficava sentado, esquecido de tudo, xingando a natureza pois que ele tinha vontade era de chupar gabiroba. Seus tempos e coisas pareciam ter mudado. Sossego, calma, o olhar perdido em busca do futuro pareciam reinar, dando a Sera-pião Fala Mole convicção que não podia se esconder detrás de morros e moitas, deixando que as pessoas buscassem respostas pras perguntas ainda não feitas. Era homem de poucas palavras, mas jamais largava companheiros na mão. Bisbilhotava tudo querendo descobrir o que movia o mundo. Patético, alegre, cabisbaixo ou triste só se encontrava quando dava de cara com a Cachoeira de Livros. As gentes de Ipê-branco, minúsculo povoado que o progresso se esqueceu há tempos de olhar, reclamava dizendo que as lou-curas de Serapião Fala Mole impediam o governo estadual, mais preocupado com as exportações de soja transgênica, milho, algo-dão, etanol, arroz e madeira extraída ilegalmente das reservas indígenas, de investir naquelas bandas, deixando-os morrer quase que à míngua. Há mais de dois anos que um médico da Secretaria de Saúde não visitava a comunidade. Quem fosse acometido de algum mal súbito tinha que se virar procurando a cidade mais próxima. Quando dizia que vinha de Ipê-branco no sempre era largado em qualquer canto, esperando a morte chegar. O abandono chegou a tal ponto que o povo do Ipê, agora preferia morrer aos poucos, devagarinho, na solidão de seus er-mos, sem se preocupar em buscar alívio pros seus males nas vizi-nhanças. Ademais aquela gente nunca virava as costas aos ami-gos, mesmo quando acreditava que aquela pessoa poderia destru-ir o povoado. Mas ninguém acreditava que Serapião Fala Mole fosse tão ruim a ponto de provocar o desaparecimento de Ipê-branco do mapa. Podia ser lelé da cuca, variado, mas todos o sabiam e reconheciam inofensivo, um louco manso, cujo único mal era dizer verdades e viver lendo solitariamente seus livros debaixo de sol ou chuva. O povão só moderava a perseguição acirrada quando ele co-lhia a cana-de-açúcar, preparando em seu improvisado alambique a pinga de orelha, especialíssima e com parte dela produzia cen-tenas de litros dos mais variados licores. Festa junina sem a bebi-da apurada de Serapião Fala Mole era impensável. Por mais brasileira que fosse aquela população, acostumada a roubar até galinha morta, algo estranho acontecia com a produ-ção de Serapião. Ele deixava suas garrafas sobre imensa mesa ou dentro de caixas, com o preço. Ao lado uma espécie de urna on-de deveria ser colocado o valor de cada garrafa. Durante anos nunca foi passado pra trás. No outro dia, depois da festança, pela manhã, quando vinha conferir o resultado da venda, sempre en-contrava o equivalente às garrafas deixadas nas caixas. O povo não tinha coragem de roubá-lo, embora fosse capaz de persegui-lo e atormentá-lo. Indecifráveis mistérios da mente humana. A população do povoado não entendia de onde Serapião Fala Mole arrancava tantos livros. Perguntado se fazia de desentendido aumentando ainda mais a curiosidade. Certo é que as crianças da única escola da comunidade rece-biam regularmente dezenas de livros e elas cuidavam de devorá-los, com urgência, prevendo a chegada de outros, em breve espa-ço de tempo. No fundo existia terna cumplicidade entre elas e seu benfeitor. Por mais tentassem segui-lo, em determinado pedaço do ca-minho ele passarinhava e ninguém era capaz de encontrá-lo. O máximo que conseguiam enxergar era um gavião-anta, talvez a encarnação avoadeira de Serapião pra modo de se defender das maldades dos homens. Não havera de ser novidade. Muita gente acreditava nessa possibilidade, ainda que remota. Quando julho findou todos os ipês ficaram carecas. Bastava a primeira chuva pra eles folhescerem e depois vesprando a prima-vera florescerem. Era o tempo que Serapião Fala Mole mais gos-tava no ano. Podia dividir os momentos admirando flores, insetos e livros. Tinha vaga notícia do futuro, mas sabia que havia um lugar reservado pra recebê-lo. Jurava de pés juntos que lá estaria sozi-nho ou bem acompanhado. Mas não via razão em se emaranhar nessas brenhas já que tinha por obrigação viver cada momento do presente. E seu tempo se resumia em plantar e colher livros. Destino ou perdição. Eram certezas que mal e mal conseguia sustentar em suas pernas de andador desnaturado. Pra ele, hoje foi dia de festa, arrancou uma dúzia de livros que julgava não mais encontrar em lugar algum, mas lá estavam eles, enfileirados, alguns semiabertos. Enroscado no Pequeno Príncipe encontrou Reinações de Narizinho. Apanhou os dois de uma só vez e se pôs a lê-los com ganância. Os pestinhas viviam fugindo, quanto mais os procurava, mais escafediam, como pretendessem tornar livros raros. Mas, enfim, os danadinhos foram agarrados, sem chance de fuga. Quando Serapião Fala Mole ouviu dizer que o céu era um lu-gar bonito, com uma biblioteca imensa, livros em todas as línguas e de todos os lugares, até da esquecida Cuiabá, achou que era tempo de abandonar os evangélicos que só viviam pedindo dízi-mo, sem nunca ter lhe dado um só livro. Além do mais eles não acreditavam em santos e como ele poderia chegar até aquela bi-blioteca sem antes passar por São Pedro? Assim se converteu ao cristianismo, na esperança de conseguir seu lugar bem ao lado daquilo que amava por sobre todas as coisas: os livros. Nem se deu ao luxo de avisar ao famigerado pastor de sua i-greja. Ele, esperto como cão raivoso, tentaria todos os meios para convencê-lo a mudar de ideia. Qual o quê! queria milhares de livros a seu redor e daquele um miserável não arrancaria nada. Virou assíduo frequentador da igreja. Se dependesse dele não perdia uma missa. Até mesmo as celebradas nos dias úteis. Por vezes estava agarrado num livrinho quando ouvia o sino repicar. Deixava tudo de lado e corria sem olhar pros lados. Não gostava de chegar atrasado, temendo assim perder seu lugar no céu. E os anos foram atravessando e cada vez mais Serapião Fala Mole acreditava que estava aos poucos garantindo seu lugar. Ar-repiava todinho só em pensar na livraiada esparramada pelas mesas da enorme biblioteca, podendo pegar um por um sem que ninguém viesse chamar sua atenção. Igual a sua Cachoeira de Livros. Jamais foi proibido de escolher. Dependendo da época, se era tempo das chuvas, a queda d’água se avolumava ainda mais despejando ensurdecedoramente enorme quantidade de brochu-ras que brilhava quando o sol batia de frente. Era um festival de luzes, cores e letras, dominando sua vida, seu pensamento. Dizem que ao ser apanhado colhendo dezenas de exemplares na Cachoeira de Livros Serapião Fala Mole passarinhou de vez. Se transformou em imenso gavião-real, com belíssimas asas de Grande Sertão: Veredas e bico de Vidas Secas alçando voo, ru-mando pro céu pra nunca mais voltar.

FORÇA NA PERUCA

FORÇA NA PERUCA Por Romulo Nétto* Humor e sensibilidade. Não sei bem qual sobressai mais neste gostoso livro de fácil leitura. Humano e trágico? Ou somente a tragédia traduzida de forma simplesmente humana. Assim é Força na Peruca, da até então desconhecida Mirela Janotti. Ela soube tratar com sutileza, com non plus ultra (última perfeição) uma doença abominada por todos nós, simples mortais. Encarou-a, sem subterfúgios, sem medo. Forte, como são as mulheres, não deixou que os momentos de tristeza causados pela doença tomassem conta de sua vida, escravizando-a implacavelmente. Pelo contrário, saiu à luta, buscou viver intensamente cada minuto, vezes há que o fez como fosse o último, ainda assim sem fraquejar. O que se lê é um humor recheado de amor. Amor pelo que temos de mais caro: a vida. Mirela soube com maestria driblar a doença, pois fez dela sua aliada, quase a transformando na mais fina piada. Somente quem conviveu durante longo período com um paciente canceroso pode aquilatar o sofrimento da autora. Ela não deixou que sua doença atingisse como punhal afiado as pessoas que mais ama: a filha e a mãe. Não permitiu que o câncer de mama a separasse dos amigos e das amigas. Permitiu-se ao luxo de debochar da aparência em determinados momentos, sem cair na pieguice da zombaria desenfreada pelo fato de “estar” doente. Força na Peruca é antes de tudo a prova cabal de que diagnosticado precocemente o câncer de mama pode ser enfrentado. As mulheres podem tirar deste livro o exemplo de que nem tudo está perdido. A experiência de Mirela há de servir como paradigma para os milhares de mulheres que a cada ano são acometidas por esse mal. Não bastasse isso Força na Peruca traz o lirismo permeado de fino humor capaz de nos fazer sorrir mesmo sabendo da desgraça que atingiu a autora. Mas o que vale mesmo é a lição que fica: a fé e a vontade de viver são capazes de nos fazer enfrentar e vencer todos os grandes males. *Romulo Nétto, jornalista e escritor com onze títulos publicados pela Carlini & Caniato Editorial.

SÁBADO OU CANTOS PARA UM DIA SÓ

Marta Helena Cocco nasceu poeta. Mais: nasceu poeta pronta. Isto não quer dizer que ela não tem mais que crescer. Há de crescer e muito e os que a lerem proximamente descobrirão que sua poesia melhora a cada livro escrito. Há uma dose de crueldade em seus versos, não se trata de crueldade intencional, mas da crueldade que abandonou as metrópoles e hoje ocupa os menores vilarejos: “Deveria endereçar alguma prece a quem tenha decidido as coisas como estão? Do contrário pode-se ficar abaixo do bem e do mal obedecendo a ser indiferente o que é o mesmo que ser igual.” . Ainda que seja o retrato fiel do que ocorre em nosso dia a dia, há um quê de ternura em cada poema. Não se trata de uma ternura explícita. É preciso ter a lente mental aguçada para adentrar nos entre versos de cada canto. E a poesia se me afigura diamante inabalável, irrequietamente desprovido de jaça. A poeta nasceu pronta e desafia seu próprio destino se provocando, se instigando a produzir mais e mais perfeitamente. Só os grandes têm o poder de pensar na magnificência do que escreve sem que isso venha carregado de petulância. Os grandes escritores na pureza da alma carregam o fardo da simplicidade, pois que a simplicidade pesa muito mais que a arrogância. Pari passu dos seus outros três livros de poesia, Sábado ou Canto para um dia só veio para ficar entre os grandes livros da contemporânea literatura mato-grossense.