quarta-feira, 23 de maio de 2012

3/3

De presente nunca quis nada./ Nada além de um olá como vai!/ de presente quis sempre dar o que quase nunca pude:/ as pessoas esperam que a gente / se entregue pra elas todos os dias sem exceção./ Cansei de renunciar à verdadeira identidade/ que carrego comigo há mais de meio século./ Não sou nada além de um velho rabugento/ que ainda teima em escrever para ninguém ler./ Sou o anônimo que andeja pelas ruas / distribuindo livros que as pessoas mais sábias jogam no lixo./ Sou o oposto de tudo que querem que eu seja:/ sou magro, careca, chato, ranzinza e feio./ Nem não sou mais o poeta que um dia/ no passado longínquo imaginei ser. / Hoje nem num sou o escrivinhador de livros admiráveis / que gostaria de ver as gentes lendo./ Abaixo a cabeça e sinto o cheiro do pó/ em que minha vida se transformou./ Daqui a instantes emplacarei ano novo/. Mas quem diz que velho faz aniversário? / Velho completa eras e eras./ E como a hera daninha/ que sobe pela minha alma cansada pelos fracassos múltiplos/ só sinto o coração se esquecer de bater/ e altivo segue seu solitário caminho apanhando da vida./ Daqui a instantes somarei mais um ano em minha era./ E ninguém chorará comigo a angústia de minha desesperança.

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