sexta-feira, 1 de abril de 2011

BOM-DIA, SENHOR PRESIDENTE


CAPÍTULO I

Os Jucas

Todo mundo vai estranhar esta narrativa. (Eu de mim ti digo como vão ser doídas essas doidas horas para narrar o que nos foi narrado de um Juca pr'outro. Somem-se também as dificuldades que eu tão deixadamente sozinho penarei pra dizer tudo que presenciei. Foi mesmo uma danada vida de cão. A deles. A minha.) Ela começou com meu tataravô Juca. Termina comigo Juca Tataraneto. As venturas e desventuras ocorridas durante a vida de Donabrina foram passando de pai pra filho. Por isso há algo truncado em grande parte da história.
Juca Tataravô disse repetidas vezes a seu filho como foi a longa travessia dos Campos Gerais até Goiandira. A chegada em Mimoso. Cada um de nós assistiu passivamente às conquistas dos meninos, dissera ele.
Juca Tataravô, o primeiro membro da família, desfrutou de regalias. Teve a afeição de Donabrina, Xixico e Rosendo. Vagava pela casa abanando o rabo. Sentava nos pés de Xixico quando politizava o caçula. Contou ao filho as agruras da separação de Zé Gargolino.
Juca Trisavô participou do crescimento de Rosendo, assistiu à morte de Donabrina quando ele ainda estava preso.
Juca Bisavô jamais perdeu um noticiário das oito da noite. Assistia desconfiado pré-sabendo que Rosendo estava sofrendo injustiças e ataques por parte dos adversários. Sem dar um rosnado sequer viu os apresentadores do Jornal das 20 anunciarem que ele fora derrotado pela primeira vez.
Juca Pai não era muito chegado aos telejornais. Como estava sempre sendo levado pela esposa de Rosendo pra cima pra baixo, acabou por se acostumar. Viu Ataliba Matusalém corromper mundos para eleger e reeleger. Morreu atropelado no dia em que o Jornal das 20 festejou a recondução do itinerante-presidente.
Sou o tataraneto. Acompanho a família desde a segunda derrota. Nasci do cruzamento entre Juca Pai que se enrabichou com uma cadela da vizinha. Foi um romance conturbado por não ser visto com bons olhos pelos filhos menores de Rosendo. Mas não houve barreira capaz de impedir o encontro dos dois. Escondiam-se no quintal de dona Gumercinda fazendo a festa. Uma semana inteira empregada em transas. Quando mamãe apresentou sua prenhez, Rosendo pediu um filhote. Por certo queria um substituto pra Juca Pai, morto de morte recente.
Cresci sem carinhos alardeados. A qualquer sinal de indisposição era levado ao médico veterinário. Para um vira-lata, fui bem tratado. Não trago recordação de ter sido colocado no colo por nenhum dos meninos. Somente dona Alaíde, mulher de Rosendo, dispensava alguns momentos do dia para verificar se não estava com sarna, pulga ou carrapato.
Rosendo de quando em vez estalava os dedos tentando chamar minha atenção não dava muita bola, pois, mal chegava perto, o maldito telefone tocava. Lá ia ele atender a compromissos. Assim achei que era melhor não criar muitos laços.
Herdei histórias de meus antepassados. Gostaria poder narrá-las sem repetição das palavras. Não fui educado para ser contador de causos. Repito como fosse o falecido Caburé-Falador os acontecimentos talequal os recebi.
Desde o início tinha decidido que seria o narrador sem estar dentro da narração. Por vezes a cabeça ficava rodando, talvez pela já avançada idade, não que esteja senil. As atitudes tomadas pela cúpula do poder, nelas incluo meu dono, abalaram minha convicção na liberdade nos homens. Hoje acredito que ela só pode mesmo ser de mentira.
Rosendo andou meio desconfiado que eu pudesse estar eternizando os desmandos dele. Ameaçou mandar-me para o pelotão de fuzilamento. Não estarei já muito velho pra tamanha humilhação? O que presenciei neste palácio ou o contado por meus ancestrais não pode ficar guardado, esquecido numa gaveta qualquer.
A noite cobre com um manto escuro todo imenso jardim causando arrepios. Sei que, ao fechar os olhos, verei Rosendo na sala dos espelhos dizendo: - bom dia, senhor presidente! Aí entrarei novamente no mundo dos meus pesadelos.

CAPÍTULO II

Retirantes

Muitos naquele sertão árido ainda cismavam ouvir últimos estrondos dos canhões, bombas caindo por sobre uma longínqua Alemanha embora vesp'rasse outubro, da guerra só restassem o caos, miséria, fome e destruição. Ali pouco se tomou conhecimento das cruentas batalhas nos gelados campos de além-mar. A vida tinha sentido, tomava rumo no guardar cabras, apanhar macambira, carregar pesadas latas d'água saloba por sobre a cabeça. Os meninos maiores caçavam passarinhos munidos de estilingue, bodoque, alguma arapuca armada escondida, pois que o milho quase sempre roubado fazia falta na alimentação diária. Um desperdício sem retorno no dizer dos mais velhos.
De há muito Zé Gargolino embuchara a mulher. Depois sumira à cata de emprego, vida melhor, deixando pra trás um bando de filhos quase desconhecidos.
Dona Setembrina maismente chamada pelos conhecidos de Donabrina matava as horas alisando a barrigona. Na certeza de outros partos, já sabia se avizinhando o momento de mais um. No escondido dos pensamentos escolhera nome: Rosendo. Tinha por si que seria mais um minino-home. Ainda banhada em naturais alegrias, imensas, havera de dar a ela, aos irmãos. Seus santos milagreiros de rezas sem velas alumiariam o caminho deserdado de bastanças mas refestelado em puras fés.
Apenas o ano outubreceu-se, ela desanda sentir dores, contrações múltiplas. Avizinhava a chegança de mais um na fila da fome. Malemal deu tempo pro Quincas sair correndo aos gritos chamando por Dasdores. Rezadeira, parteira que anunciou aos quatro cantos ventos a hora maior de Donabrina. Maslesperou Quincas sôfrego, cansado, gaguejante falar, desembalou-se em carreira descontida. Sina sua, sorte dela. O vivente nasceria em tresloucada paz.
No espremer das luzes a cria veio ao mundo. Sem cânticos, glórias, roupas, charutos ou qualquer tipo de beberagem. De pronto sugou a bom sugar o peito farto da mãe. Donabrina esparramava felicidade pela cara abatida pela dor, sofrimento. Deixara se envolver pela segunda cabeça do marido quando as crianças dormiam a sono solto. O vistoso resultado mamava sossegadamente. As mãos calosas repartiam carinho acariciando os cabelos pretos da criança.

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