domingo, 9 de junho de 2013
SIÁ GENÉSIA
Mal desapearam amarrando as rédeas das montarias no primeiro pé de pau, um forte cheiro de enxofre açucarado tomou conta das redondezas da casa-grande.
Nhá Parteira sentiu profundo calafrio percorrer o espinhaço. Se benzeu repetidas vezes, rezando baixinho suas herdadas rezas de espanta coisa-ruim. Pra ela ali tinha coisa feita, pesada, de difícil desmanche.
Mas quem havera-de mal querer Sinhá Mocinha? Tão doce, tão nova, como pode ela ser causadora de maldades pra outras pessoas, que não seja apenas o mal do amor não corespondido?
Siá Genésia fincou dois palmos de sorrisos na cara sulcada por frescos sofrimentos. Recebeu de bom grado Nhá Parteira e Plug, levando-os até a cozinha. Sorriu satisfeita como pressentisse cheiro de novidade no ar.
Pr’ela, Nhá Parteira trazia escondido um acontecido que ainda não conseguira desvendar.
Pra Nhá Parteira pairava no ar certo odor de desconfiança.
Mal entrou na imensa cozinha, o calor infernal tomou conta de tudo. Nhá Parteira sussurrou aos meus ouvidos que ali cada palmo de chão cheirava trepada, da boa, feita com paixão, durante horas. Perguntou se pousara antes naquela fazenda, causando em mim estranheza, raiva prematura, perturbadora. Seu faro de bruxa tinha pressentido fodelança futura no ar.
Siá Genésia chamou, batendo palmas seus empregados. Um deles me levou até o banheiro, onde pude deixar a água fria escorrer pelo corpo durante incontáveis minutos.
Por seu lado Nhá Parteira conversou longamente com Sinhá Mocinha, sempre intermediada pelas atenções de siá Genésia. Mas o pensamento das duas escapava dali. Uma se lembrando das trepações no mato, a descoberta do homem que a penetrara em todos os lugares. A outra entresonhando possibilidades de se sentir mulher desejada novamente, sendo possuída selvagemente por aquela perdição de capanga surgido em sua vida repentino, sem aviso, sem que ela ousasse esperar ou sonhar. Mas que no fundo de suas carnes vibrantes soube que mais cedo ou mais tarde aconteceria. Pois que sem ninguém pensasse se assucedeu de pronto, religiosamente.
Naquela noite não faria nada. Não estava de todo preparada. Melhor deixar o bom arrasta-pé comemorar a chegança de Nhá Parteira pra dar o bote depois. Foi assim que a noite varou em bordejar da oito-baixos conduzida por Neguinha Prampam, acompanhada por Dentuça nas cantorias e Bem-te-vi na viola. Foram tantos goles, uma engolição sem fim dos quitutes mais ricos que em nenhum cerrado perdido daquela porção dos Gerais dantes nunca se houvera notícias.
Nessa inesperada noite, ninguém atacou ninguém. Izé Cabedelo sossegou seu facho não bolinando nenhuma garotinha, velha especialidade sua.
Nhá Parteira se contentou em olhar de soslaio pro seu príncipe que já desconfiava não tão bem-encantado, mas, segundo criteriosos pensamentos, ainda seu. Se divertiu contando causos, distraindo ao lado do fogão a fogosa Genésia, a buchuda Mocinha. Bebeu todos os goles que sua vida enciumada pôde permitir naquela hora, sem achar desprezada ou diminuída.
Era de seu conhecer que novos rumos aconteceriam dali em diante, queria entregar-se inteiramente lúcida para cada momento das brigas. Sua mente jamais a dirigiria pra outras estradas.
Siá Genésia apazigou seus sorrisos se contentando com o marasmo do trabalho na cozinha. Só de longe em longe ouvia os risos de jagunços, capangas, cobras e lagartos.
Sua xandanga pegava fogo a ponto de obrigá-la a ir ao banheiro, onde retirou a calcinha de rendas que incomodava seu grelo entumescido. Voltou apressada sem descobrir desconfianças perdidas no ar. Tinha o controle da noite em suas mãos. Não permitira que ninguém o roubasse. Continuou festeira sem deixar de servir os convidados lá de fora, como acontecia desde que aquela fazenda fora aberta. Izé Cabedelo se gabava de ser o maior recebedor de visitantes do Vale do Urucuia, destinando grande porção da cachaça produzida em seus alambiques para presentear os chegantes. Quanto maior o consumo, maior sua alegria. Todos se encontravam ali unidos, reunidos em festança que atravessaria os cerrados, sertões, veredas, se projetando em inesperados futuros.
Siá Genésia era bem parte de tudo isso. Ninguém dava um passo, por mais pequenino que fosse sem o dedo de sua maquinação.
Não escondeu a avantajada pança de Sinhá Mocinha, nem a ausência de Gregório Tomba-Tomba. Os desavisados podem ler que já era carta fora do baralho, bem a gosto de Izé Cabedelo, a quem o genro tão era somente um caçador de dotes que ali nas beiras do Urucuia fincou suas unhas macilentas à cata da mais rica jovem e inocente casadoura. Foi no que deparou com Sinhá Mocinha. Inexperiente, sonhadora, facilmente seduzível pelo moço da cidade grande, onde por deveras pode ter praticado com bastança de sucesso seu plano, pois que engavetou rápida gravidez em Sinhá Mocinha, sem necessitar ou provocar desconcertante visita ao delegado Porciúnculo Destrão.
Todos aceitaram com as pás-viradas o ajuntamento dela. Nem num era pra não ser diferente. Agora naquela hora avançada, quando a lua prometia inteirar total rebeldia, cheiando na noite seguinte, desconhecendo as fumaças das queimadas das matarias, tudo se conformaria em estreitas, estranhas mudanças, do vento e do tempo. Lá fora diante da fogueira, da claridade das brasas, recém-somada pela lua que invadira o terreno da ventania arrastando, de longe, um cinzento de há tempos esperado, a festança prosseguia como misturando outonos e primaveras, passados e presentes, coroando num belo chifre futuro que por certo os maldosos pinchariam na testa de Izé Cabedelo. Será que ele viveria nas indiferenças? Ou será que ele sentiria o calor dos cornos crescendo, mesmo que imaginário, por sobre a testa brilhante? Se aconteceu, o sentir morreu ali. Nunca ninguém ousou tocar no assunto, bêbado ou são. Mas que o chifre cresceu, ah! Pois que bom! Cresceu de imenso tamanho que o corpo de Izé Cabedelo começou a curvar nos meses seguintes sem que o falatório aumentasse ou diminuísse.
Siá Genésia nem não se apreocupou com nada. Naquele justo momento ela se destacava em saber seus modos de atender os que festejavam as presenças de Nhá Parteira ladeada por Plug. O de antes descrito era apenas fruto de pensamentos futuros e tão só isso.
Quando o dia aconteceu com seu causticante sol, muitos ainda bebidos, outros já desbebidos, dormitavam na grama orvalhada do imenso jardim de palmeiras imperiais, ipês amarelos, roxos, brancos, quaresmeiras desdormidas florescendo em frouxas flores matinais, trazendo aos olhos dos visitantes o encantamento de um cenário que só os loucos eram privilegiados de assistir.
Mas siá Genésia bem que queria outro final pra sua história. Não se viu, nem se via coberta por aquele estranho vestido que Izé Cabedelo trouxera de Belzonte. Sonhara outros sonhos, encabeçara novos voos que seu corpo ainda possuído por carnes duras, firmes, permitiam voar. Ela era dona de suas fuças, cansada das fudelanças de papai-mamãe que sabidamente sabia nas conversas travadas, traçadas com tantas outras sinhás em suas visitas de recíprocas voltas. Queria mais. Visualizava que mais hora menos hora alguém chegaria pra lhe ensinar com a língua e o pau duro o verdadeiro caminho do gozo supremo.
Siá Genésia determinou que os vaqueiros escolhessem um boi bem gordo pra matar, dando início às festanças do nascimento do primeiro neto. Foi um deus nos acuda de tanto movimento, primeiro no curral, depois na cozinha, por fim no pátio da casa-grande, onde cavucaram o chão enchendo de grossas achas de angico-vermelho formando intenso braseiro. As costelas cozinhariam por indefinidas horas, no fogo do chão, enquanto homens e mulheres descascavam mandiocas, catavam feijão, pilavam carne seca pro preparo de deliciosa paçoca de pilão.
Siá Genésia sabia que o neto demoraria ainda uma semana pra aparecer. Ela não podia desconvidar ninguém, então que todos se habilitassem com seus préstimos no preparo das longas refeições. Tudo era mais por distração que necessidade,. Ocupando os visitantes, eles não ficariam como barata-tonta bisbilhotando quartos, porões e outras dependências da casa-grande, nem se dariam ao trabalho de atentar mocinhas e mocinhos nas casas dos agregados. Bulir com filha de peão é como meter a mão em caixa de marimbondo, pensava ela.
Por dias deixou de queimar pestanas sobre Plug. Esqueceu por momentos em como tê-lo por cima dela em vigorosas estocadas. Adiou seus planos, nada mais.
Todo mundo errou em seus cálculos. O forte garoto só veio à luz no décimo dia após a chegada de Nhá Parteira, pra inteira paz, alegria de Izé Cabedelo com siá Genésia. A partir daí as festas recomeçariam. Devidamente carimbados como avós, Izé e Genésia liberaram as frangas. Estavam prontos pro ataque.
O décimo dia de festa completou o ciclo com o batizado de Sinfrônio Cabedelo. Saído não se sabe de onde, apareceu meio desconfiado, com ares de quem tinha ido apenas procurar um montinho pra modo de dar uma cagadinha, Gregório Tomba-Tomba levou esculhambação a perder de vista. Só mesmo os bichos ou animais de criação não soltaram xingamentos. Mas burros e jumentos relincharam surdamente como desaprovassem seu chá de sumiço. Pra muitos ele não fizera falta. Uns até detestaram o retorno, pois estavam ensaiando investidas pro lado de Sinhá Mocinha. Além do dote, ela era muito bonita. Pedaço de mau caminho pra ser precipitadamente descartada.
Izé Cabedelo cofiou a barba, retorceu bigodes, esfregou as mãos como esperasse mortal disputa entre o genro e algum pretendente. Pois quê.
Siá Genésia torceu o nariz como se estivesse diante de ave de mau agouro.
Não deixaram Gregório Tomba-Tomba pegar o filho no colo. Saiu murcho como chegou. Entrou mudo, saindo calado. O caminho fora deliberadamente escancarado. Qualquer simpatizante responsável seria bem-aceito na vida de Sinhá Mocinha. O leilão estava aberto. O mais prendado, atencioso e gentil, arremataria a prenda. Se fosse do agrado de Izé Cabedelo mais siá Genésia, melhor ainda.
A música correu solta por três noites e três dias. Foi um rela-bucho imemorável. Muita prenhez ocorreu no meio do mato, nos galpões de guarda de mantimentos.
O casal festeiro continuava seu jejum sexual.
Siá Genésia mijava fogo de tanta vontade de entregar sua xuranha pra Plug. Se escondia no quarto por horas, se apalpando, se esfregando num grosso pepino que de quando em onde deixava penetrar numa firme e sentida estocada. Masturbar-se virou rotina. Borrifava a cama com leite de colônia pra disfarçar o bodum do sexo malfeito e solitário. Enquanto isso continuou pensando em como faria para comer Plug.
Uma semana depois do batizado Sinhá Mocinha começou a perder o sono. Não dormia nem de dia nem pela noite. O socorro veio pelas mãos de Plug que ofereceu um chá feito de plantas encontradas cerrado adentro. Era forte. Carecia ser enfraquecido com bastante água. Siá Genésia viu ali a oportunidade de realizar seus devaneios. Tinha ciúme danado das licoreiras de cristal importado, de seus conteúdos. Passava semanas fazendo as mais diversas receitas. A preferida era a de jabuticaba. Quando retirava a tampa o perfume adocicado se esparramava pelo salão de festas, inebriando visitantes que imploravam uma segunda dose. Nessa noite as coisas seriam diferentes, bem diferentes.
Desde o meio-dia a leitoa já se encontrava no forno de barro sendo assada devagarinho, como manda a cozinha dos Gerais. O couro ficaria pururuca, estalando ao primeiro toque da faca que trincharia os quartos dianteiros e traseiros. Delícia divina. Desgranhenta perdição.
Pra modo não errar na dose, siá Genésia experimentou a poção num amassado de farelo de arroz. Tinha separado bom cachaço pra fazer o teste. Tiro e queda. Cinco minutos depois de comer a porção, o porco dobrou os joelhos caindo em repentino sono profundo. Passou a noite em roncos. Siá Genésia não cabia em si de contentamentos. O peixe morre pela boca. Pela boca seus empregados e visitantes dormirão.
Mal o relógio da sala expulsou o cuco anunciando duas da tarde, Siá Genésia dispensou os serviçais que moravam mais longe, cobrindo com pequenos mimos, tudo corriqueiro pra no depois não chamar atenção. Ficaram somente os imprescindíveis pra que o jantar fosse preparado, servido como assuntara.
Sinhá Mocinha dormiu cedo, esgotada pelo suga-suga do filho, ajudada sem cerimônia com a dose dupla daquela poção que acalmava os ânimos permitindo doces sonhos. Às oito da noite a imensa mesa da sala de jantar da casa-grande estava posta. Ao todo dez pessoas participariam da comilança. Siá Genésia pensadamente mal tocou na comida. Plug mordiscou rodelas de tomate, provou pequeno pedaço de pururuca regado com molho apimentado, bem a seu gosto. Dizia ele por mor de dar maior tesão, como se antevisse o que o esperava.
Aforante Plug, siá Genésia, cada um se lambuzava mais que outro, como se o mundo fosse acabar logo depois, em perdição de comida e lambanças que tais.
Ela, serena, se ria por dentro seu riso de vitória, contentamento por saber que todos recordariam anos a fio daquela noite, sem no entanto se alembrar do sono duro imposto sabe-se lá como!
Nem Izé Cabedelo estranhou quando ela se levantou indo servir o licor. Passou como normal, não merecendo destaque ou desconfianças. Ela era assim, dona de fazer o inesperado. Agrado supremo pra visitantes.
Isaura, mulher de Tonhão Carcará, lambeu os beiços estalando no depois a língua estridentemente. Mal conseguiu pedir nova dose, se esparramando no chão. Pouco depois só restaram sóbrios Plug, siá Genésia. De assustado ele nem viu quando foi arrastado até o porão, onde, mal entrou, viu a porta ser ruidosamente fechada a sete chaves. Num relance estava nu. Ela implorando que rasgasse suas roupas, chupasse sua xuranha afogueada, enquanto engoliria o mastro de sua bandeira flamejante. Foi uma chupação de mais de horas onde cada parceiro encheu a boca com o suco quente do corpo do outro.
Plug já perdera a conta das muié-damas que vagaram por sua cama. Mas aquela ali tinha vulcões escondidos em cada buraco do corpo. E foi por baixo, foi por cima sem cansaço, repetidas vezes. Quando o sol ameaçou surgir, ela pediu uma última vez. Pegou com as duas mãos o peru em brasa do amante, fazendo com que sua xandanga o comesse de uma só vez. Um cheiro de carne assada invadiu o imenso porão. Plug acariciou um dos seios de siá Genésia, duros, durinhos como um coco-babaçu. Sugou o mamilo com gosto, mordicou levemente, enquanto ela subia e descia, frenética cavalgada, transpirando prazer, satisfação, colocando um dedo no grelo, lambendo depois, saboreando seu próprio sumo.
Finalmente o dia antemanhou. Siá Genésia pediu a Plug que a possuísse mais uma vez, durante o banho. Implorou que enfiasse sua espada no rabo, coroando a primeira das muitas noites de amor que travariam juntos.
Por Romulo Netto - Jornalista e Escritor
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